Quem nunca ouviu uma frase de cunho racista levante a mão. Seguem algumas para refrescar a nossa memória: "mas que negrice", "desse jeito tu vai para a lista negra", "negro quando não faz na entrada, faz na saída", "a coisa está preta", "é um negro de alma branca", "não sou tuas nega", "só podia ser trabalho de preto", "essa nasceu com o pé na cozinha", "ai amiga, estou com uma inveja, mas é branca, viu?". Sem contar o uso da palavra "denegrir" como significado de difamar. Por favor, parem.
Muitas vezes, quando ainda criança, ouvi quieta alguns dos dizeres acima, os quais eram recitados em tom de "brincadeira". Não tem nada de engraçado quando machuca outra pessoa. Inclusive, quando atrapalha para que essa pessoa acredite no seu potencial. A Organização das Nações Unidas revela que a população negra é a mais afetada pela desigualdade e pela violência no Brasil. O Ministério Público do Trabalho salienta que no mercado de trabalho, pretos e pardos enfrentam mais dificuldades na progressão da carreira, na igualdade salarial e são mais vulneráveis ao assédio moral. No entanto, somos um país de maioria negra. O IBGE aponta que mais da metade da população brasileira (54%) é de pretos ou pardos.
Confesso que a primeira vez que li o conto da Negrinha, de Monteiro Lobato (sobre uma senhora 'de bem' que, como 'caridade', criava uma menina), fiquei extremamente afetada, relembrando cenas da minha infância que me ligavam, de alguma forma, a essa narrativa.
Hoje, ouvir coisas semelhantes dói no fundo da minha alma. E finalmente, não consigo mais ficar imune e não emitir opinião. As imagens dessa semana, com o assassinato de um homem negro que passeava com a sua família, com 80 (oitenta) tiros, não me saem da cabeça. As cinco pessoas que estavam no carro iam para um chá de bebê. Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos, morreu na hora. Os militares confundiram a família com assaltantes (!). Impossível não trazer o debate do racismo com tamanho absurdo que ocorre em nosso país.
Se não cuidarmos, esses racismos (nem tão) velados, podem ir se incorporando ao nosso cotidiano, inclusive, naturalizando essas mortes. Seu momento de dar um ponto final pode ser este. Diga não à discriminação racial. Não só no dizer, mas inclua no seu fazer. Não ria de piadas sem graça sobre negros. Seja crítico nas ocasiões em que perceba algo parecido no seu entorno. Interfira.
No mês de maio próximo deveríamos estar comemorando 131 anos da abolição da escravatura. A história nos revela que, longe de ser um ato de bondade da princesa Isabel, foi fruto de mobilização popular para o fim do trabalho escravo no Brasil. Precisamos nos sensibilizar para evitar reencarnações da escravidão. Poderia citar vários exemplos que denotam ainda haver escravidão em nossa nação. Mas uma delas, durante as chuvas que atingiram recentemente o Rio de Janeiro, me chamou a atenção. Um jovem rapaz, negro, apressava-se em colocar caixas plásticas sob as correntezas das ruas de Copacabana para uma senhora atravessá-la por cima das mesmas, evitando assim se encharcar. Ao finalizar a travessia, ela sequer olhou para trás para balbuciar um "muito obrigada, moço". Até quando pensaremos que um rapaz negro é obrigado a nos servir? Até quando iremos questionar se uma mulher negra é a babá?
A cultura negra tem muita importância na formação histórica e na construção da identidade brasileira. Um caminho viável para dar fim ao racismo, por exemplo, seria o reconhecimento dos privilégios dos brancos. Talvez esse processo provoque mudanças de comportamentos.